À espera de vento

Sempre que penso em escrever
me corre em disparada
um desejo louco de poder
gozar do mundo todas as palavras
as ramificações de cada família de língua
todos os acentos, todas as nuances, imprecisões
da cálida árvore faminta
pelo seio do devir
que brota a todo instante
significados e significantes

E ao perceber que quase tudo isso me falta
sentindo possuir tudo em mim ao mesmo tempo
paro, fraquejo e sinto-me um paralítico apático
vulgar, mesquinho e convarde

Quantas flores florirão na próxima primavera?
Para aonde foi a minha última quimera?

Olha, um tolo feito como o eu
rola em hipérboles desconexas
e volta para cobrar o que é seu

Mas o que é meu?
a palavra?
o corpo?

O essencial pertence ao desconhecido
e o desconhecido é quase tudo

É nesse mar que navego
num horizonte infinito de cores
com uma vela à espera de vento

Para qual direção?

Bate-vento-bate

Pão

Entro numa padaria, peço meia dúzia de pães.
Enquanto o moço atrás do balcão vira-se para encher um pacote, falo em voz alta aquilo que me vem:

“Na casca
apenas emoções
das divisões
entre pólos e desertos!…”

Ele volta-se assustado na mesma hora em que completo:

“… e no miolo
o real sem mistérios
que com chuva também seca
e que sem rima se sustenta!”

São um e oitenta e cinco, senhor – diz, ainda surpreso.
Estendo um punhado de moedas, agarro o pacote, retorno um muito obrigado e parto, sem peso na alma, acenando para o padeiro.