poeminha

Abraço

Paro na rua
volto para dentro
de mim
do meu quarto
sinto-me fraco
opaco
raso
inclinado
a me atirar
na frente do primeiro carro

Paro o parar
retomo um movimento
que se repete
solitário
amargo
infiel às paixões
que trago
em garrafas de todas as cores
formatos

Para o som dos sapatos
os rítmos se separam
se perdem
esvaziados
no espaço
entre os passos
nus
crus
a esfolar
arrancar
aquilo da carne
que de irredutível
ainda há

Chego num fundo
escuro
mudo
surdo
que de fundo
é todo um outro universo
que copia o anterior
ou o averso
e faz do caminho
um sentido
escarnido
entupido de nada
que me puxe pelo braço
me dê tapa na cara
e vomite em mim
todas as limitações humanas

Ressurjo à porta
por uma memória
que sequer sei qual é
por uma pilha de livros
por um monte de roupas sujas
por um resto
mínimo
insensível
de poeria
de um eu já morto
que não me fez esperar por nada
nem sonhar
nem imaginar
aquilo que nunca seria

E no abrir da porta
eis que o encontro
tão ingênuo
tão limpo
e desfruto
o abraço
por instantes
menos distante
dum pedaço de ser
genuíno
desejante
sem enigmas
ou razões para partidas
e que sorri para mim

A árvore da sala

Há uma árvore na minha sala
pequena se olhada pelas árvores de fora
mas alta, maior, mais larga do que eu

Ela fica num vaso de barro coberto de pó
entre a porta e a estante de livros
Sempre em silêncio, mau nota-se mudar de cores

Passam-se os dias, as pessoas, as estações
e ela permanece lá
em seu espetáculo particular
de folhas, flores, frutos
vívida em todo seu esplendor

Há tempos ela vem me ensinando a ser árvore
somos até confidentes íntimos um do outro

Uma vez ela me chamou ao pé do ouvido
e pediu, baixinho, para eu estender-lhe a mão

Foi para socorrer uma de suas folhas
para que não caísse no chão

Sonho do desejo de morte

Sobre a realidade do gostar
a imagem do desejo de morte
não se encontra com o corte
lembrança da morte do sonhar

Faca real sangra pra matar
no mundo de quem tem sorte
se o sonho for muito forte
o sangue nele pode encostar

Mas é preciso muito de amar
se não o corpo desvia o bote
o eu do sonho acorda e foge
da arma que o jurou libertar

Aí finda sem o maior desejar
assim sem morte nem cortes
à espera que o tempo esgote
os afetos reais de se matar.